25 dezembro, 2006

Doença do peixe cru


A difilobotríase é uma doença causada pelo cestódio Diphyllobothrium, conhecido como um dos maiores que parasitam o homem (atinge cerca de 10 metros de comprimento no intestino delgado). É também chamado de tênia do peixe, pois só é transmitida ao homem através da ingestão de peixes crus, mal cozidos ou defumados em temperatura inadequada.

A doença pode ser assintomática (a grande maioria), variando de leve, moderada a mais severa, apresentando dor e desconforto abdominal, flatulência, náusea, vômito, diarréia intermitente, emagrecimento, e às vezes anemia megaloblástica por carência de vitamina B12 (a parasitose interfere na absorção intestinal dessa vitamina). Em alguns casos mais graves, porém raros, pode ocorrer obstrução intestinal e do ducto biliar.

Essa parasitose intestinal é considerada problema de saúde pública, não apenas por causar transtornos aos pacientes, mas por apresentar um grande número de casos assintomáticos (80%), e os indivíduos permanecerem eliminando os ovos enquanto não forem tratados. Dependendo das condições de saneamento básico, pode, por isso, disseminar-se para rios, lagos e mares, contaminando os peixes locais.

É fácil de ser diagnosticada. O exame parasitológico de fezes (microscopia) deve ser feito cerca de 6 semanas após a última ingestão de peixes crus para que sejam detectados os ovos do parasita, ou através do reconhecimento da espécie através dos fragmentos de tênia (proglotes) ou parasita eliminados pelo paciente.

Pessoas que têm o hábito de consumir peixes crus ou mal cozidos devem procurar o médico para realização do exame parasitológico e para tratamento se o resultado for positivo. O tratamento é feito com praziquantel, remédio considerado mais eficaz para essa tênia. Apesar de ser seguro, há restrições para o seu uso em alguns indivíduos. Assim, o tratamento deve ser prescrito e acompanhado pelo médico.

A prevenção é simples: ingestão do peixe bem cozido ou o congelamento prévio do peixe a - 20º C, por 7 dias, o que torna todos os tipos de peixes seguros, inativando não somente o Diphyllobothrium, mas outros parasitas de peixes. Produtos de origem animal, ingeridos cru, apesar de medidas sanitárias exercidas nos criadouros/fazendas, nem sempre estão isentos de algum tipo de patógeno, devendo por isso serem conservados refrigerados, congelados ou cozidos à temperatura indicada pelo fabricante/produtor ou pelas autoridades sanitárias, para prevenir casos, surtos ou endemias.

O estudo epidemiológico realizado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo(CVE) mostra que todos os pacientes com a difilobotríase ingeriam peixe cru, em restaurantes ou adquiridos de mercados/supermercados para preparo em casa, sendo que todos (100%) ingeriam salmão cru: 48,5% ingeriam salmão com outros tipos de peixes crus e 51,5% consumiam somente salmão cru.

Dos 44 casos notificados ao CVE (por diversos laboratórios e pacientes), 13 foram diagnosticados em 2004 e 31, de janeiro a 11 de maio de 2005. Dos 33 casos já concluídos, 28 residem no município de São Paulo e freqüentam restaurantes ou adquirem o produto em estabelecimentos comerciais no mesmo município. Considerando a população estimada exposta ao hábito de consumo de peixes cru no município de São Paulo, calcula-se que a incidência bruta da difilobotríase detectada até o presente momento seja de 2,8 casos por 100 mil habitantes.

Dentre os 44 casos notificados até a presente data, há também residentes de outros municípios como Barueri, Bauru, Campinas, Carapicuíba, Diadema, Itapecerica da Serra, Ribeirão Preto, Santo André, Santos e um turista da Holanda que freqüentou restaurante em São Paulo (investigação em andamento). Há registros de outros casos em outros Estados que podem ser obtidos junto à Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde.

Todos os casos notificados estão relacionados a um período de incubação longo que varia desde de cerca de 2 anos atrás até pelo menos 45 dias, ocorridos portanto, antes das medidas de qualidade e congelamento do produto anunciadas pelas associações de restaurantes. Os órgãos de vigilância apoiam as medidas propostas pelo setor e colocam-se à disposição para as orientações técnicas que forem necessárias para a proteção da saúde do consumidor.

Por ser uma doença de início tardio de sintomas não é possível analisar amostras de sobras dos peixes contaminados ingeridos pelos pacientes como nos surtos tradicionais. Nenhum restaurante mantém sobras de peixes crus utilizados por cerca de 45 dias (tempo de incubação da doença até a eliminação de ovos), pois a legislação sanitária estabelece apenas 72 horas. Toda análise laboratorial posterior tem valor restrito ao peixe específico analisado e não fornece base científica para descartar os achados epidemiológicos fundamentados em critérios científicos e consagrados da investigação. O rastreamento posterior de peixes, neste episódio, pela vigilância sanitária, tem valor para detecção de pontos críticos e para trazer subsídios para as inspeções sanitárias em criadouros ou estabelecimentos comerciais e futuras medidas. É um trabalho de monitoramento de longo prazo.

Até o ano de 2003, não havia registro de casos autóctones da difilobotríase no Brasil e no Estado de São Paulo. Contudo ela é endêmica em países como Argentina, Chile e Peru, havendo também registro de casos ou surtos em determinadas regiões dos Estados Unidos, Ásia e países da Europa. Como não há estudos seguros de que não existe o hospedeiro intermediário (crustáceo) necessário à transmissão do parasita no ciclo do peixes, nos rios, lagos e costa litorânea do Brasil, impedir que a doença se transmita através do consumo de peixes contaminados e se dissemine através de esgoto não tratado em regiões com saneamento básico precário, é tarefa de todas autoridades responsáveis pela Saúde Pública no país.

Fonte: Centro de Vigilância Epidemiológica (São Paulo)