Falta de vitamina B-12 está provocando doenças graves na população de idosos.
Diagnósticos incorretos e a falta de vitamina B-12 em postos da rede pública de saúde estão contribuindo para o surgimento no Brasil de novos e irreversíveis casos de anemia megaloblástica e neuropatias relacionadas à gastrite. A advertência é da hematologista Sara Teresinha Olalla Saad, coordenadora associada do Hemocentro da Unicamp. Segundo ela, médicos e autoridades sanitárias estão subestimando a gravidade e as conseqüências do problema.
A deficiência de vitamina B-12 tem prevalência crescente na faixa etária de 25 a 60 anos, e acomete cerca de 10% da população acima de 65 anos. Mas estudos norte-americanos demonstram que pelos menos 1% da população de idosos desenvolve conseqüências graves da doença, como distúrbios neurológicos e psiquiátricos e anemia megaloblástica (referência ao megaloblasto, glóbulo vermelho que se encontra na medula óssea). A vitamina B-12 é absorvida pelo trato gastrointestinal a partir de alimentos como leite, carnes e ovos.
A causa da deficiência de vitamina B-12 é uma gastrite desencadeada por diferentes mecanismos. Um é de origem imunológica: o doente destrói suas próprias células do estômago, fenômeno muito comum em mulheres acima de 25 anos e também em idosos, associado a doenças da tireóide e ao vitiligo. Outro, responsável pela maioria de úlceras e gastrites em homens e mulheres de qualquer faixa etária, é a bactéria Helicobacter pylori (H. pylori). A H. pylori pode ser diagnosticada por endoscopia e tratada com antibiótico. Sem essa providência, a gastrite torna-se uma lesão que, no prazo de cinco a dez anos, pode comprometer a eficiência da absorção de vitamina B-12.
"Uma hipótese para a alta incidência em idosos é que a deficiência não apareceu aos 65 anos, mas evoluiu ao longo dos últimos dez anos em que a gastrite não foi tratada", pondera Sara Saad. "A reserva de vitamina B-12 no organismo é grande, mas quando cessa sua capacidade de absorção todo estoque é consumido sem que ocorra a reposição, podendo levar ao desenvolvimento da anemia".
Desmielinização
Além da anemia, a deficiência da vitamina também causa a destruição de células neuronais, processo denominado desmielinização e que provoca neuropatias, como são chamadas as doenças do sistema nervoso, acarretando distúrbios comportamentais. Os sintomas mais freqüentes são: formigamento em ambas as pernas, queimação na sola dos pés, distúrbios da marcha e do equilíbrio (andar cambaleando com as pernas bem abertas para equilibrar-se). Em casos mais extremos ocorre também incontinência urinária por falta de controle do esfíncter.
"Quando esses distúrbios ocorrem no idoso, pensa-se logo que ele está ficando esclerosado por causa da velhice e fica tudo por isso mesmo", observa Sara Saad, salientando que podem ocorrer ainda situações que simulam quadros psicóticos.
De acordo com a coordenadora associada do Hemocentro, o paciente tem freqüentemente perda do apetite e emagrecimento. Como nem sempre a anemia está associada a esses outros sintomas da deficiência, não há alteração no hemograma capaz de apontar o problema. Há casos até de se associar erroneamente esse quadro clínico a canceres, sem que o problema real seja de fato atacado.
"Os médicos ficam investigando durante muito tempo e perde-se a oportunidade de cuidar adequadamente do doente. É comum pacientes com anemia grave receberem transfusão porque apenas desconfia-se de câncer. Ocorrem também associações equivocadas a doenças de medula óssea, tipo aplasia, e a outras alterações hematológicas. Mas essa não é uma doença para o hematologista, é para o clínico geral saber diagnosticar e tratar", afirma a especialista.
Irreversível
Se a deficiência de vitamina B-12 é diagnosticada precocemente, a pessoa não desenvolve as complicações. Mas, infelizmente, lamenta Sara, não é o que vem ocorrendo. Como unidade de referência, o Hemocentro da Unicamp recebe em média dez pacientes por mês em estado gravíssimo, magérrimos, com níveis baixíssimos de hemoglobina, com graves distúrbios neurológicos, incapacitados de andar e controlar esfíncteres, porque há cinco anos estão com o quadro clínico ainda em investigação, sem o diagnóstico correto.
Campanha
A hematologista da Unicamp defende uma campanha nacional para conscientização populacional sobre a gravidade da anemia megaloblástica, semelhante ao que ocorreu com a anemia ferropriva (redução de glóbulos vermelhos por falta de ferro) na década de 1960 no Brasil. Naquela ocasião, lembra Sara Saad, criou-se a consciência na população para a importância do ferro na prevenção da doença. "Agora é preciso que o mesmo ocorra com a vitamina B-12 por causa dos riscos da redução dessa vitamina no organismo. É preciso uma mobilização para que o país produza e disponibilize na farmácia básica um medicamento tão barato para o tratamento", reivindica.
Tratamento é de baixo custo mas medicamento some das prateleiras
O tratamento da anemia megaloblástica é de baixo custo e ocorre pela aplicação de vitamina B-12 no paciente. A injeção de 1 miligrama do medicamento custa R$ 3,50. Uma dose semanal durante três meses (totalizando R$ 42) e, depois, uma dose mensal para manutenção pelo resto da vida, já que a gastrite é perene, são suficientes para afastar conseqüências mais graves em casos diagnosticados precocemente.
A hematologista Sara Saad sugere que, no idoso, se faça um teste terapêutico com a administração da vitamina caso se perceba distúrbios da memória, irritabilidade anormal, formigamento nas pernas ou mãos, queimação nas solas dos pés, por exemplo. De acordo com ela, o remédio tem a vantagem de não produzir efeitos colaterais em alguém que não tenha a deficiência e pode colaborar para impedir a progressão de algum eventual problema.
A dosagem de B-12 no sangue é um exame laboratorial também barato e acessível (não chega a R$ 5,00) e permite ao interessado saber como está o nível da vitamina no organismo antes da eventual aplicação do medicamento.
Fonte: Saude em movimento
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