07 agosto, 2006

Cientistas e sociedades médicas questionam benefícios da soja


FLÁVIA MANTOVANITHIAGO MOMM PEREIRA da Folha de S.Paulo

Entre os alimentos funcionais (aqueles que, além de nutrir, ajudam a prevenir doenças), a soja talvez seja a maior vedete. Ingrediente da dieta oriental há milhares de anos, muitos são os ocidentais que vêm driblando o sabor pouco familiar para se beneficiar de todas as vantagens atribuídas à leguminosa: alto teor de proteína e de fibras, alívio para os sintomas da menopausa, redução do colesterol ruim, prevenção contra a osteoporose e contra alguns tipos de câncer.

Entre 1999 e 2005, a produção de grãos de soja no país aumentou de 31.377 milhões de toneladas para 53.053 milhões. Além do grão e dos tradicionais leite e queijo, hambúrgueres, sorvetes e chocolates são alguns produtos à base de soja disponíveis no mercado.Agora, na contramão da grande oferta e dos estudos que sinalizam benefícios, cientistas, agências governamentais e sociedades médicas de alguns países questionam as propriedades atribuídas a ela e alertam para possíveis efeitos adversos do consumo excessivo.Autoridades e sociedades médicas de países como Inglaterra, Canadá, França e Nova Zelândia recomendam cautela, por exemplo, ao alimentar bebês com fórmulas à base de soja. "Eles alegam que não há estudos de longo prazo que mostrem a segurança desses produtos para crianças pequenas. A soja tem isoflavona [substância semelhante ao hormônio feminino estrógeno], e não sabemos os efeitos dela em um sistema reprodutivo imaturo como o da criança", afirma Roseli Sarni, presidente do departamento de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Ela diz que a entidade levará isso em conta em um consenso sobre alergias que está elaborando.Estudos também vêm mostrando que a soja interfere na produção do hormônio tiroxina (da tireóide) e que pode, por isso, não ser indicada para quem tem predisposição genética ao hipotireoidismo.Crianças, idosos, gestantes e pessoas com dificuldade de absorver nutrientes também são recomendados a não exagerar --compostos antinutricionais da soja diminuem a absorção de certos minerais.A discussão vem ganhando espaço principalmente na Nova Zelândia e no Reino Unido.No Brasil, a Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) alerta em relação a possíveis riscos e questiona uma das principais propriedades atribuídas à soja: o alívio dos calores da menopausa. Após revisar vários estudos, a entidade concluiu, em um artigo, que sua eficácia como alternativa de reposição hormonal é praticamente nula.Segundo a endocrinologista Ruth Clapauch, do departamento de endocrinologia feminina e andrologia da Sbem, a maior parte dos estudos que mostram efeitos positivos é in vitro ou com animais e não pode ser transposta diretamente para o ser humano."Na prática, os efeitos estrogênicos da isoflavona são muito fracos e praticamente iguais aos do placebo. Ela não consegue se ligar aos receptores de estrogênio com a mesma facilidade que os hormônios do nosso corpo. Concluímos que não é eficaz para esse fim", diz.Segundo Clapauch, o fato de algumas mulheres relatarem alívio com a soja pode se dever à intermitência natural dos calores. "Mesmo não usando nada, os fogachos vão e voltam."Já a farmacêutica bioquímica Maria Inês Genovese, professora do departamento de alimentos e nutrição experimental da USP (Universidade de São Paulo), considera "inquestionável" a diminuição dos sintomas da menopausa pela soja.O que não está provado, diz ela, são a eficácia e a segurança dos suplementos que trazem a isoflavona isolada. "É importante que a isoflavona seja consumida no alimento, com os demais componentes. Mas o consumo da soja deve ser incentivado. Não há nada que conclua que ela oferece riscos."Ela lembra que pesquisas mostram que a incidência de sintomas da menopausa é menor entre as orientais, habituais consumidoras de soja.Para Ruth Clapauch, no entanto, isso pode ser explicado por diferenças culturais. "As manifestações da menopausa variam entre as culturas. No Japão, as mulheres reclamam de cansaço e de peso no ombro, mas o fogacho não é comum."

Fonte: Folha online