Frutose: o doce vilão
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Ivan Cesar O. Correia de Sousa, médico especialista em endocrinologia, nutrologia e com pós-graduação em neurointensivismo, integra o corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo
Quando oriento dieta a pacientes, seja para perder peso ou normalizar sua glicemia, em caso de diabete ou de predisposição, além de sugerir a redução de alimentos gordurosos, também alerto sobre o excesso de carboidratos provenientes dos açúcares, como os encontrados nos doces, massas, raízes (batata, por exemplo), leite, frutas e principalmente no suco de fruta.
Para entender melhor os motivos de tanta cautela com esses alimentos, vamos conhecer um pouco a natureza dos carboidratos, ou hidratos de carbono, que constituem a maior parte da nossa dieta, fornecendo cerca de metade das calorias que ingerimos nas condições normais.
Eles são os nutrientes do trabalho muscular por excelência. Os principais carboidratos da nossa alimentação são os monossacarídios e os oligossacarídeos. Os monossacarídeos, ou açúcares simples, são moléculas simples, sendo os mais comuns a glicose (dextrose) e a frutose (levulose). Já os oligossacarídeos são açúcares compostos que, quando decompostos por uma reação química chamada hidrólise, fornecem de duas a dez unidades de monossacarídeos, incluindo-se nesse grupo os dissacarídeos (sacarose e lactose), os trissacarídeos, que não são relevantes nesta explicação, e também os polissacarídeos (amido e glicogênio), assim como as fibras celulose e hemicelulose, que não são digeridas por nossas enzimas digestivas.
Depois dessa breve parte teórica, vamos voltar ao nosso vilão. Estudos revelaram que os açúcares simples, os monossacarídeos, têm-se mostrado problemáticos para a saúde humana. O açúcar da cana-de-açúcar, tão popular no Brasil, cujo nome específico é sacarose, quando digerido, se transforma em glicose e frutose. Já está estabelecido que o excesso de glicose não é bom, mas o que alguns estudos estão demonstrando nos últimos anos é que o excesso de frutose é pior. A frutose é derivada do açúcar das frutas e do xarope de milho, que contém frutose concentrada. Entretanto, esse xarope com alta concentração de frutose e sabor muito doce, bastante utilizado pela indústria alimentícia, principalmente nos Estados Unidos, não é composto somente de frutose, mas de uma combinação quase em partes iguais de glicose e frutose. Após a absorção desses açúcares pelo intestino, a frutose é metabolizada no fígado primeiro que a glicose. A partir desse momento, quando ocorre excesso de frutose, desenvolve-se uma situação metabólica anormal chamada de resistência à insulina.
Agora, vamos entender o que é resistência à insulina. O termo é empregado para definir uma situação na qual a insulina que circula no sangue não exerce sua atividade plena após ser secretada pelo pâncreas em resposta ao aumento de carboidratos no sangue. A importância desse hormônio – insulina – não é só para o controle das taxas de glicose no sangue, mas também por inúmeras outras funções no fígado, tecido gorduroso, rins e mesmo nos vasos sanguíneos. Quando a pessoa tem resistência à insulina, seu pâncreas produz esse hormônio, mas em excesso. O problema é que após o estímulo gerado pela glicose, a ação dessa insulina não é a ideal. Para corrigir essa resistência, o organismo acaba secretando maiores quantidades de insulina que, em níveis mais altos, consegue cumprir suas funções.
No entanto, algumas vezes, esse mecanismo pode não ser eficiente, e há um aumento na concentração da insulina e da glicose no sangue, o que pode gerar um estado de pré-diabete ou até mesmo de diabete. Da mesma forma, as alterações resultantes desse processo são responsáveis pela síndrome metabólica, sendo muito frequente a associação com diabete tipo 2, obesidade, especialmente do tipo abdominal (visceral), hipertensão arterial, elevação dos triglicerídeos e com a redução do chamado “bom” colesterol, o HDL. Outras condições desfavoráveis são associadas a esse quadro, como a síndrome dos ovários policísticos.
A síndrome metabólica, conhecida anteriormente como síndrome X ou quarteto da morte, por associar quatro condições muito perigosas para a saúde – obesidade, hipertensão, diabete e aumento dos triglicerídeos – consiste num conjunto de alterações orgânicas resultantes de uma ação ineficiente do hormônio insulina, chamada resistência à insulina.
Estima-se que, nos Estados Unidos, a síndrome metabólica atinja cerca de 24% da população adulta. Acredita-se também que existam fatores genéticos de predisposição associados a uma mudança no estilo de vida marcada pelo sedentarismo e pelo excesso de ingestão calórica.
Como tudo tem uma razão de ser no corpo humano, nossas células têm receptores para vários hormônios. A insulina se liga ao seu receptor localizado na membrana da célula como uma chave à fechadura, ou seja, “abrindo a porta” para a passagem da glicose do sangue para dentro das células. Quando ocorre a resistência à insulina, o receptor passa a funcionar mal, dificultando a entrada da glicose do sangue na célula. Sendo assim, ela deixa o sangue mais lentamente e seu nível aumenta na corrente sanguínea.
A frutose mais concentrada no xarope de milho, nos sucos de fruta e no açúcar é capaz de gerar a mesma deficiência. De outra maneira, as frutas in natura, por trazerem a frutose combinada com fibras, minerais e vitaminas, não causam a mesma alteração, porque têm uma absorção intestinal mais lenta, assim como é mais lento o seu metabolismo no fígado. Portanto, nesse caso, a frutose não está em excesso e torna-se saudável.
Estudos mostram que a ingestão excessiva de frutose tem impacto no desenvolvimento da síndrome metabólica, porém o mecanismo de ação da frutose no processo não está completamente elucidado. A produção de radicais livres de oxigênio, conhecido por estresse oxidativo, e a resposta inflamatória são sugeridas como de particular importância.
Exemplificando: a frutose estimula diretamente o processo inflamatório endotelial e reduz o nível de óxido nítrico (proteção para os vasos) no mesmo endotélio (endotélio é a membrana que reveste os vasos sanguíneos e liga-se ao colesterol na formação das placas de aterosclerose, principalmente diante de um processo inflamatório).
Um outro estudo demonstrou que uma alimentação com excesso de frutose administrada em ratos provocou o aumento de marcadores inflamatórios importantes, como as citocinas, o fator tumoral de necrose e os radicais livres de oxigênio nos glóbulos brancos circulantes.
Também ficou claro que frutose colocada no estômago de roedores induz a adesão de glóbulos brancos ao endotélio vascular, dando início a um processo de aterosclerose. Outra conclusão importante foi que essa adesão pode ser revertida com a administração de uma substância antioxidante, no caso, o ácido alfalipoico.
Tudo isso sugere que a frutose deflagra diretamente a resposta inflamatória nos vasos estudados e que a resposta inflamatória é mediada pelo estresse oxidativo. É possível também que a ação pró-inflamatória da frutose seja resultado de outra via metabólica, como a ativação direta dos leucócitos pelo ácido úrico, que é um produto final do metabolismo da frutose. Apesar de a inflamação induzida pela frutose ser demonstrada em vários estudos, efeitos protetores da frutose sobre a inflamação também são reportados em situações especiais.
Além disso, tem-se associado a obesidade ao alto consumo de xarope de milho com elevado teor de frutose, um produto barato usado em inúmeros alimentos industrializados, como refrigerantes, doces e sopas. Entretanto não há nenhuma evidência direta de que o consumo moderado de frutose tenha algum efeito danoso sobre os níveis de açúcar e glicose ou sobre a resistência à insulina.
Em resumo, o consumo do açúcar em pequenas quantidades e de poucas frutas in natura diariamente não parece estar relacionado com doenças. Ao contrário. No entanto, seu uso abusivo em sucos de frutas e alimentos, que contenham em sua composição o xarope de milho com alta concentração de frutose, está diretamente associado ao aumento da incidência da síndrome metabólica e de suas principais consequências, a doença cardiovascular, o diabete e a obesidade.